O Brasil vivencia a dicotomia de dois recordes o de arrecadação do governo e do endividamento das empresas. Tal situação leva ao questionamento: os valores dos impostos cobrados pelo governo estão corretos ou as empresas estão sendo sufocadas para que o déficit zero seja alcançado a qualquer custo?
Para se ter uma ideia, a arrecadação federal atingiu o total R$ 201,6 bilhões em agosto, alta de 11,95% acima da inflação sobre o mesmo mês do ano passado. Segundo a Receita Federal, o valor é o maior para o mês desde o início da série histórica, em 1995. De janeiro a agosto, a receita arrecadou R$ 1,7 trilhão, alta de 9,47% acima da inflação na comparação com os oito primeiros meses do ano passado. O montante também é recorde para o período.
Por outro lado, o endividamento das empresas brasileiras atingiu a soma de R$ 146,2 bilhões, segundo dados do Indicador de Inadimplência das Empresas da Serasa Experian. De acordo com o estudo, ao final do primeiro semestre de 2024, 6,9 milhões de negócios estavam com contas negativadas, representando 31,2% do total de companhias existentes no Brasil.
Ainda segundo a Serasa Experian, somente em julho um total de 228 empresas entraram com pedidos de recuperação judicial, 29% a mais do que no mês anterior e mais do que o dobro (123,5%) dos registros de um ano atrás. Este é o maior número registrado na série histórica, que se iniciou em 2005. Nos primeiros sete meses deste ano, os pedidos somam 1.242.
O fato é que muitas das companhias que se encontram em uma situação preocupante, com várias contas atrasadas e aquelas em recuperação judicial não sabem que podem ter impostos a recuperar, o que significa uma reserva de caixa com o próprio governo faminto por arrecadação. Claro que isso ocorre, em parte, por conta da própria desorganização fiscal das empresas, mas em grande parte por conta da complexidade do sistema tributário brasileiro, que se encontra em plena reforma;
Dado interessante que ilustra essa situação vem do levantamento que fizemos dentro do sistema de auditoria fiscal do Revizia. Nos últimos cinco anos, 6.156 empresas brasileiras, com faturamento acima de R$ 1 milhão, deixaram a mais nos cofres públicos um total de R$ 10,51 bilhões. Estima-se que existam mais de 250 mil empresas no Brasil com faturamento de R$ 10 milhões ou mais. Se colocarmos o valor médio que cada empresa tem a receber, é possível aferir que os cofres públicos receberam R$ 426,6 bilhões a mais do que deveriam entre junho de 2019 e junho de 2024, ou seja, R$85,3 bilhão ao ano. Não é de se estranhar o recorde na arrecadação.
A fragmentação na estrutura tributária gera um ambiente de alta complexidade e falta de clareza no sistema brasileiro. Cada ente federativo possui sua própria legislação, com diferentes impostos, alíquotas e obrigações. Assim, a diversidade de normas e procedimentos torna a compreensão e o cumprimento das obrigações tributárias um desafio constante para as empresas que acabam por arcar com mais tributos do que devem pagar.
O ICMS e o PIS/COFINS são os principais tributos da lista de encargos recuperáveis. Isso porque como são tributos indiretos que, por sua natureza, são repassados nos preços até alcançarem os consumidores finais, estas operações (compra, venda, transferências etc.) geram grandes volumes de recursos. Desta forma, sua incidência e consequentemente a recuperação, quando pagos indevidamente, são notoriamente expressivos.
Este cenário deve mudar com a Reforma Tributária, mas, ao menos por enquanto, a situação ficará ainda mais complexa. O novo sistema passará por um período grande de transição, o que significa que durante alguns anos, dois sistemas e duas regras diferentes estarão em vigor, o que faz com que as empresas precisem se organizar ainda mais e estejam sempre atentas às mudanças para o devido cumprimento das obrigações tributárias.
Para empresas que estão atravessando momentos de dificuldade, a recuperação de tributos surge como uma oportunidade de gerar caixa e buscar recursos. No momento, o futuro é incerto e, diante das mudanças que estão por vir e da conjuntura econômica desafiadora, os empresários devem buscar agora garantir agora os possíveis créditos existentes.
(*) Vitor Santos é CEO do Revizia, empresa especializada em auditoria e compliance fiscal que atua por meio de uma plataforma SaaS baseada em machine learning.
Fonte: Terra.