O Congresso recentemente tomou medidas para esclarecer um ponto específico da legislação tributária por meio da promulgação da Lei nº 14.395/22. Modifica o artigo 15 da Lei 4.502 de 1964, especificando que, para fins de determinação do valor tributável, o termo “praça” deve ser entendido como o município onde se localiza o estabelecimento remetente.
O ajuste legal foi motivado pela necessidade de corrigir as incertezas e litígios provocados por interpretações distorcidas que vinham sendo efetuadas em decisões da Receita Federal. O presidente do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi categórico ao dizer que a Receita distorcera a legislação anterior e que isso trouxera insegurança jurídica:
“Com vistas a acabar com a insegurança jurídica decorrente dessa interpretação, é preciso aprovar o PL nº 2.110, de 2019, para dispor textualmente que, para fins de fixação do valor tributável mínimo, ‘considera-se praça a cidade onde está situado o estabelecimento do remetente’. Dessa forma, as indústrias deixarão de ser autuadas pela fiscalização, o que reduzirá o litígio tributário e diminuirá a incerteza relativa aos empreendimentos estruturados pelas empresas.”
O relator da matéria no Senado, Antônio Anastasia (PSDB-MG), foi ainda mais contundente ao falar de “devaneios interpretativos” da Receita para impor obrigações tributárias às empresas:
“Como bem destacado no parecer da CAE, embora a norma constante do artigo 15 da Lei nº 4.502, de 1964, seja importante para evitar a manipulação de preços tendente a lesar a arrecadação do IPI, o Fisco extrapolou os limites interpretativos para autuar contribuintes. O conceito de “praça” deve inexoravelmente remeter ao conceito de local em que se situa a indústria. Não pode a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRF) extrapolar esse limite geográfico para aferir preços em regiões diversas. Essa conduta esbarra no comando legal do artigo 15, inciso I, da Lei 4.502, de 1964, e gera litigiosidade, como se observa dos precedentes proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a matéria.”
Com efeito, desde o início da década de 2000, diversos autos de infração foram lavrados pela Receita, alargando o conceito de “praça do remetente”, ora para região metropolitana, ora para Estado, chegando muitas vezes a considerar praça como sendo qualquer localidade onde o produto industrializado esteja disponível para venda no atacado (“praça” virtual na internet?). Essa variabilidade na interpretação causou incertezas significativas, levando ao reconhecimento pelo Legislativo da necessidade de esclarecer a questão.
Nessa linha, o senador Anastasia ressaltou que o projeto de lei buscava “… não permitir interpretações alargadas, que, no fundo, são contra o texto expresso da lei …”, ou seja, ressaltou que o projeto de lei buscara “… evitar interpretações contrárias ao texto da lei…“.
Preocupação com segurança jurídica
A promulgação da lei, contudo, atravessou incidentes processuais. A Presidência da República vetou o projeto de lei aprovado, mencionando preocupações com a segurança jurídica, especialmente a possibilidade de aplicação retroativa da lei. Após amplo debate, o Congresso Nacional derrubou o veto com a consequente publicação da Lei nº 14.395/22, reafirmando a importância de uma interpretação legal clara e consistente.
Trata-se de um meio legítimo para que o Legislativo promova a “estabilização e consolidação dos sentidos normativos”, dentro do espectro de exercício de poder a ele outorgado pela Constituição. O Congresso exerceu uma competência constitucional: “É plausível, em face do Ordenamento Constitucional Brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade de Leis Interpretativas que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica (ministro Celso de Mello MC/ADin 605, DJ 05.03.1993)”.
Por força desse instrumento idôneo, entende-se que a Lei nº 14.395/22 é portadora de uma espécie de delimitação para a interpretação do sentido de outra lei, por estabelecer-lhe um significado autêntico mediante conceituação (certeza) e proteção para a conservação de direitos (confiança).
Ora, precisamente em nome do direito à segurança, que exige certeza e confiança, ao garantir-se um sentido autêntico retroativamente vinculante, justifica-se a derrubada do veto.
Com efeito, a derrubada do veto, instituto inerente ao Estado democrático de direito, atendeu à segurança jurídica que, como direito fundamental, exige o balizamento da aplicação dos efeitos da lei frente a interpretações divergentes a gerar incerteza perturbadora. Nas palavras de Humberto Ávila (Segurança Jurídica no Direito Tributário, USP, São Paulo, 2009, p. 697), “o princípio da segurança jurídica exerce uma função de subprincípio e exerce uma função eficacial definitória relativamente a esse ideal”, sendo precisamente o que ocorre na sua relação com o princípio do Estado de Direito.
Fonte: Consultor Jurídico (Conjur)