Não se discute que a falta de recolhimento de tributos gera imensos impactos negativos à arrecadação, o que reflete diretamente na prestação de serviços básicos de forma eficiente à sociedade, e a manipulação dolosa por parte do contribuinte na inibição do ato deve ser ampliada à esfera penal para sua responsabilização direta.
Contudo, para fins de responsabilização criminal do agente, a análise da conduta deve ser realizada de forma criteriosa na busca da verdade real, sob pena de o instrumento ser utilizado como meio coercitivo de recolhimento tributário pelo ente federativo.
Com base no entendimento do [1] Supremo Tribunal Federal, desde 2019 o Ministério Público vem tipificando o não recolhimento contumaz do ICMS como crime de apropriação indébita, previsto no artigo 2º, II da Lei 8.137/1990.
Com isso, o mero inadimplemento do ICMS por parte do contribuinte considerado de forma contumaz passou a tipificar o crime de apropriação indébita, o qual prevê a pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, além de eventuais agravantes.
Mero inadimplemento tributário
No âmbito do processo penal, o princípio pela busca da verdade real norteia a prática dos atos da instrução probatória, sendo válidos quaisquer meios de prova, excetos àquelas obtidas por meios ilícitos.
A presunção de inocência do agente será sempre o marco principal na prática dos atos processuais, o que se verificará a conduta efetivamente praticada, apuração de dolo e o seu grau de lesividade, e assim concluir pela verdade real, ou mais próximo disto, para fins de culpabilidade.
Ou seja, o mero inadimplemento tributário ou descumprimento de obrigação, por si só, não enseja a responsabilização penal do agente, pois tais requisitos de forma isolada não são indícios de materialidade para fins de tipificação penal.
Assim, há a necessidade na apuração das condutas praticadas pelo contribuinte que possam ensejar fraude e simulação, que objetive a ocultação ou supressão da obrigação tributária.
Autoria do delito
Pela [3] teoria do domínio do fato, o autor do delito é aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação, aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não, independentemente de essa pessoa ter ou não praticado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, por exemplo.
Contudo, [4] é equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo. Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.
Desvirtuamento e violações
A interpretação da norma penal como ferramenta para inibir a falta de recolhimento do tributo desvirtua a natureza do ato, uma vez que o inadimplemento muitas vezes ocorre por crises econômicas setoriais do contribuinte sem qualquer dolo deste, que vê a necessidade de deixar de recolher o tributo por falta de caixa ou para cumprir demais obrigações visando a função social da empresa, como pagamento dos salários dos seus colaboradores de natureza alimentar.
Portanto, a responsabilização do contribuinte na esfera penal pelo mero inadimplemento tributário extrapola não só o tipo penal do crime contra a ordem tributária como também os princípios basilares da proporcionalidade, razoabilidade, livre iniciativa econômica e devido processo legal, tornando-se um meio coercitivo do fisco para fins de arrecadação.
Fonte: Consultor Jurídico (Conjur)
[1] Portal STF
[2] Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (…) I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.