Impactos da reforma tributária: comércio exterior e PLP 68/2024

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Na última sexta-feira, a Presidência da República retirou o regime de urgência do PLP nº 68/2024.[1]. Ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, isso não significa um decréscimo de importância para o projeto de lei complementar, pois a retirada ocorreu com viés de ampliação e aprofundamento da discussão. Nesse sentido, propõe-se aqui colocar luzes em alguns pontos relevantes do texto [2].

Incidência do IBS e CBS sobre bens imateriais e tratamento nacional

O primeiro aspecto que merece atenção é o âmbito de operações sujeitas ao IBS e à CBS. Está prevista incidência dos novos tributos na importação não apenas de bens materiais, mas também de bens imateriais, inclusive direitos, e serviços, conforme artigos 62 e 63 do PLP. Ou seja, em relação aos bens imateriais e serviços importados não sujeitos atualmente ao ICMS, haverá sensível aumento da carga tributária na importação. Contudo, mister anotar que esse aumento também ocorrerá nas operações internas. Aliás, a proposta garante, no artigo 63, § 5º, V, que os dois novos tributos que incidirão na importação de bens e serviços terão as mesmas alíquotas desses mesmos tributos incidentes em operações internas similares. Ou seja, corretamente garante-se o princípio do tratamento nacional.

Base de cálculo dos novos tributos

Entretanto, não devemos restringir nossa inquietação às alíquotas, pois sabemos muito bem que o cálculo dos tributos surge com o cotejamento da alíquota com a base de cálculo. Pois bem, a base de cálculo do IBS e da CBS vai ser bem mais ampla do que a da contribuição para o PIS e da Cofins na importação. Em verdade, a base de cálculo dos dois novos tributos se aproxima bastante da ICMS incidente na importação.

Lembremos que, depois de intensos embates no Judiciário, o STF fixou como base de cálculo da contribuição para o PIS e da Cofins apenas o valor aduaneiro. Em outra toada, o artigo 69 do PLP inclui na base de cálculo dos novos tributos os seguintes itens, além do valor aduaneiro: Imposto de Importação; Imposto Seletivo; taxa Siscomex; AFRMM; Cide combustíveis, direitos antidumping; direitos compensatórios; medidas de salvaguarda; e quaisquer outros impostos, taxas, contribuições ou direitos incidentes sobre os bens importados até a sua liberação.

Ainda no que tange ao aumento da base de cálculo, tende ser ainda maior para os produtos sujeitos a medidas de defesa comercial. Atualmente o Brasil aplica direitos antidumping a 75 produtos importados e medidas compensatórias a quatro produtos [3]. Há valores percentuais e valores em dólar por medida do produto (unidade, tonelada etc.); os números variam desde patamares mais baixos [4] até valores que correspondem a muito mais do que 100% [ 5] do valor declarado na importação [6].

Tratamento de bagagem e remessa internacional

Uma dúvida que tem sido recorrente é o tratamento dado pelo PLP às bagagens e à remessa internacional. O artigo 66 do texto prevê a isenção do IBS e da CBS para bagagens de viajantes e remessas internacionais, desde que haja também isenção do imposto sobre a importação e não tenha ocorrido intermediação por plataforma digital. Portanto, a resposta é que a proposta apenas visa garantir que, havendo isenção do imposto sobre a importação, haverá também dos novos tributos, excluída a importação pelas plataformas digitais (para as quais há previsão de tratamento específico nos artigos 23 e 77 do PLP).

Tempo da incidência do IBS e da CBS

No que concerne ao momento em que se considera ocorrido o fato gerador do IBS e da CBS, o PLP fixa, como regra geral para os bens submetidos a despacho para consumo, o do despacho aduaneiro ou da liberação. Essa é uma medida que padroniza e simplifica a tributação da importação. Atualmente, é adotado o momento do registro da declaração de importação para o Imposto sobre a Importação, bem como para a Contribuição para o PIS e para a Cofins na importação. No caso do ICMS e do IPI, o tempo para incidência tributária é do desembaraço. Ou seja, tendo em conta os tributos que incidem atualmente na importação com base no tratamento nacional (PIS/Cofins, IPI e ICMS) há elementos temporais diferentes, o que gera cálculos diversos e burocracia. A nova regra para CBS e IBS virá para padronizar e simplificar.

Pagamento e possibilidade de postergação

Quanto ao pagamento, o artigo 80 do PLP prevê que, para IBS e CBS, deverá ser realizado até a entrega dos bens, ainda que ocorra antes da liberação da mercadoria. Está prevista a possibilidade de o sujeito passivo antecipar o pagamento para o momento do registro da declaração de importação e, se houver diferença entre o valor adiantado e o valor devido, será cobrada essa diferença sem acréscimos. Essa previsão afasta a possibilidade de cobrança de juros e multas, como ocorre com o IPI vinculado à importação.

O elemento temporal da norma de incidência do IPI vinculado é o desembaraço, mas o tributo deve ser recolhido antes, no registro da declaração de importação, cabendo juros de mora e multa de ofício no caso de verificação de diferença a pagar durante antes da liberação [7]. Ou seja, nessa situação ainda nem ocorreu o fato gerador e já cabem juros de mora e multa de ofício.

Um ponto importante é a possibilidade de pagamento posterior dos novos tributos. Chegam à Receita Federal e ao Legislativo muitos pleitos pelo parcelamento ou diferimento dos tributos incidentes na importação. Essas propostas foram, até o momento, não contempladas porque há uma tradição de cobrar os tributos incidentes na importação antes da entrega do bem. Os motivos que têm mantido essa política podem ser resumidos como: a maior facilidade de compelir o devedor ao pagamento antes de lhe dar posse dos bens; a grande preocupação em não permitir que produtos cujos tributos não sejam pagos integrem a economia brasileira em vantagem competitiva desleal em relação à produção nacional.

O § 3º do artigo 80 do PLP veicula a possibilidade de postergação estabelecida por regulamento. Todavia, amenizam-se os possíveis efeitos negativos ao se limitar essa vantagem somente para as empresas que cumpram os rigorosos requisitos de compliance estabelecidos para serem operadores econômicos autorizados (OEA). De todo modo, é um sinal de avanço positivo para os importadores, que impacta positivamente no fluxo de caixa das empresas.

Garantia e recuperação dos créditos na exportação

Aspecto muito relevante para a competitividade do comércio exterior brasileiro é a efetiva desoneração dos bens exportados. Atualmente, a recuperação dos tributos internos pagos na cadeia produtiva de bens exportados além de não ser integral – não engloba o ISS – é morosa e deficiente, especialmente em relação ao ICMS.

O artigo 83 do PLP prevê, além da imunidade da exportação, a garantia ao exportador dos créditos relativos à aquisição de bens e serviços. Essa garantia se efetivará mediante a previsão de um prazo para análise do pedido de ressarcimento, conforme o artigo 58 do PLP. Tal prazo vai variar entre 30 dias (para contribuintes incluídos nos programas de conformidade) a 180 dias da solicitação. Não apreciado o pleito pelo Comitê Gestor dentro do prazo, o crédito deverá ser ressarcido dentro de 15 dias. A proposta traz uma situação muito mais positiva, afastando, em boa medida, os problemas que enfrentados hoje; contudo tenho acompanhado discussões e pleitos no sentido de abreviar ainda mais esses prazos [8].

Considerações finais

O propósito da coluna desta semana foi trazer a lume alguns pontos que merecem atenção do PLP nº 68/2024, a fim de permitir nossa reflexão, colaboração na construção dessa etapa da reforma tributária, bem como conscientização e preparação para as mudanças que vão impactar o comércio exterior brasileiros no próximos anos.

É preciso que a legislação que está por vir caminhe no sentido de promover mais competitividade internacional para os players brasileiros e maior inserção do Brasil no comércio internacional, o que deve vir acompanhado de crescimento econômico, geração de empregos e desenvolvimento social.

Fonte: Consultor Jurídico (Conjur)

[1] Conforme divulgado pelo Senado Federal no sítio: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/10/04/regulamentacao-da-reforma-tributaria-tem-urgencia-retirada-pelo-executivo#:~:text=Foi%20retirada%20pelo%20Executivo%20a,completou%2045%20dias%20no%20Senado.> Acesso em: 06 out.2024

[2] Neste artigo, vamos comentar o PLP na versão recebida no Senado e disponível no seguinte sítio: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/164914.> Acesso em: 06 out.2024

[3] Conforme informações veiculadas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior, disponíveis em <https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/comercio-exterior/defesa-comercial-e-interesse-publico/medidas-em-vigor/medidas-em-vigor Acesso em: 06 out.2024.

[4] Por exemplo, o direito antidumping previsto para os PVC S dos Estados Unidos da América são de 8,2% (Disponível em <https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/comercio-exterior/defesa-comercial-e-interesse-publico/medidas-em-vigor/medidas-em-vigor/pvc-s-eua-e-mexico>. Acesso em: 06 out.2024).

[5] Os direitos antidumping aplicados aos cadeados são no valor de US$10,11/kg (Disponível em < https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/comercio-exterior/defesa-comercial-e-interesse-publico/medidas-em-vigor/medidas-em-vigor/cadeados >. Acesso em: 06 out.2024)>. Acesso em: 06 out.2024).
 
[6] Sobre o assunto, recomenda-se leitura do artigo “Defesa comercial na reforma tributária”, de Welber Barral (Disponível em < https://www.migalhas.com.br/depeso/406740/defesa-comercial-na-reforma-tributaria >. Acesso em: 06 out.2024).
 
[7] Conforme Solução de Consulta Interna Cosit nº 20, de 25 de agosto de 2013 (Disponível em < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=55541 >. Acesso em: 06 out.2024).
 
[8] Nesse sentido, houve discussões na Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no dia 17/09/2024 (Disponível em < https https://www.youtube.com/watch?v=RMRUeGCEkj8&t=2280s>. Acesso em: 06 out.2024).

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